Quando pequena tive um guarda-chuva amarelo, lembro do som das pocinhas de águas da chuva que pulava com ele e das galochas vermelhas que nunca tive. Queria ter galochas, mas não sei por que não as tive, pulava as poças com outros tipos de sapatos, pensando nas galochas vermelhas e de como elas ficariam adoráveis com meu guarda-chuva amarelo. Ter aquele guarda-chuva era como habitar um sonho, uma espécie de proteção poética que eu tinha, presente da mãe, com muitos coelhinhos e cogumelos desenhados nele. Pensava que as pocinhas de águas eram portais, que a qualquer momento que eu colocasse meus pés em uma delas, entraria no céu e nas árvores que as águas chuvosas refletiam. Quando a chuva passava, eu amava olhar os passarinhos se banhando nas pequeninas pocinhas, era a poesia mais terna e doce todas aquelas asinhas festejando naqueles portais mágicos, eram as serenas delicadezas do interior. Cresci e percebi a falta que me fazia um guarda-chuva amarelo, e alguns anos atrás comprei um, ele tinha até uma coelhinha e um cogumelo também, sai com ele com os versos dançando em minhas mãos. Em um dia de chuva encontrei uma ruazinha com florzinhas amarelas no chão que combinavam tanto com ele, e percebi que ainda me faltavam as galochas vermelhas. Carlos Drummond de Andrade diz que temos saudades também do que não existiu, e que ela dói bastante, e eu concordo com ele, e não penso só nas galochas vermelhas que nunca tive quando menina, mas todas as outras saudades das inexistências que se bordaram em meu coração. Poderia ter minhas galochas vermelhas junto com meu guarda-chuva amarelo, mas não as tenho, não está mais chovendo, mas as chuvas irão voltar, e quem sabe com as galochas vermelhas eu enfim consiga entrar nos portais mágicos das pocinhas, imagina se o segredo para entrar nelas é a combinação de um guarda-chuva amarelo com galochas vermelhas? Um dia em um doce momento, encontrei em uma decoração de um lugar encantado uma galocha, só uma, sem o outro par, pensei se não seria um sinal para mim, uma galocha só como o sapatinho da Cinderela que permanece, será que uma fada deixou a galocha ali para me lembrar que preciso passar o portal encantado?
Na verdade todos esses pensamentos resumem que tenho um guarda-chuva amarelo, que não tenho as galochas e já estou com saudades da chuva, de ver as gotinhas de chuva nos botõezinhos de rosa, as gotinhas da chuva mesmo, e não do regador. Alguma coisa sempre falta, e se não tivesse me faltado, não teria a poesia, não teria esse doce imaginário. Mas a poesia também está no guarda-chuva amarelo que tive, nos dias de chuva que regaram meu coração. A poesia está entre a presença e a ausência. Entre o que foi e o que não foi. Entre a falta e o transbordar. Nos passarinhos alegres nas pocinhas. Nas gotinhas de chuva nas plantas que sonham. No sussurrante som das águas dos pequenos fragmentos de chuva que caíram nos cílios um dia, nascendo palavras. Nos guarda-chuvas e nas galochas.
7 comentários:
Eu também concordo que "temos saudades também do que não existiu, e que ela dói bastante".
E isso de sentir falta, até me lembrou aquele vídeo da Jout Jout "A parte que falta" já viu? Tem o livro também no caso.
A vida é assim, ou melhor, nós somos assim, sempre está faltado alguma coisa.
https://www.heyimwiththeband.com.br/
Belíssimo texto, amiga!
Parabéns! A tua prosa
Tem poesia que goza
Da saudade mais antiga
Que a tua alma abriga
Como luz da inexistência,
Que na verdade, em essência,
É uma certa frustração
Do que não se teve à mão
E o desejo da aparência.
Parabéns pelo maravilho texto em prosa poética! Gostei imensamente! Abraço cordial. Laerte.
É sempre uma delícia ler-te, minha Amiga Gaby. Temos saudades do que não tivemos. Temos saudades do que não aconteceu e até temos saudades do que não irá acontecer nunca. E eu tinha saudades de te ler.
Cuida-te bem.
Uma boa semana.
Um beijo.
Gaby
É sempre muito agradavel ler os seus textos delicados e deliciosos.
Muito obrigada pela sua visita que me alegrou bastante.
Tenha uma semana boa e abençoada cheia de saúde.
Beijinhos
:)
Please read my post
Que doçura de texto, realmente não devemos nos esquecer desses sinais mágicos, mesmo quando o mundo adulto parece nos engolir.
Eu amei a foto com as florezinhas no chão combinando ♥
Aliás, eu to muito feliz de ter encontrado o seu blog, já que só a acompanhava pelo instagram (sou a @mycozypages por lá).
Um beijo
Esse guarda chuva amarelo me lembrou do seriado How I Met Your Mother rs
Suas fotos são uma graça Gaby. Têm um climinha de conto de fadas ♥
Eu também não tenho galochas, mas acho lindo essas coloridas. E também sinto falta da chuva. Principalmente por causa do clima seco, que acaba com o nosso nariz :/
Bom Agosto pra você ♥
Postar um comentário